Aumento de salário de políticos é sinal ruim para sociedade, dizem especialistas

Aumento de salário de políticos
A aprovação pelo Congresso Nacional na noite de terça-feira (20) de um projeto que reajusta de 37% a 50% os salários da cúpula do Executivo e do Congresso —presidente da República, ministros de estado, deputados e senadores– é vista por especialistas como uma mensagem ruim para a sociedade.
Entre os aspectos criticados estão a falta de estudos que justifiquem a medida neste momento e de um debate com a sociedade antes da aprovação. A votação ocorreu de maneira simbólica, sem registro dos votos dos parlamentares.
O texto vai à promulgação no momento em que o futuro governo busca apoio para aprovar a PEC da Gastança e assegurar recursos para manter o pagamento de R$ 600 a beneficiários do Auxílio Brasil e retomar outros programas sociais, como o Minha Casa, Minha Vida.
O professor de economia da FGV Joelson Sampaio critica a elevação dos salários da cúpula do serviço público diante de um cenário desafiador.
“Vejo isso como uma moeda de troca: aprovamos a PEC e, como contrapartida, vem o aumento dos salários”, diz.
Sampaio acrescenta que o governo tem como desafio mostrar ao mercado que tem compromisso com a responsabilidade fiscal. A aprovação do aumento, avalia, caminha no sentido oposto e pode gerar aumento de incerteza entre investidores, elevação dos juros, prejuízo ao câmbio e inflação.
“A gente só consegue avançar em políticas sociais se tivermos responsabilidade fiscal. Aumento de gastos neste momento traz um contexto ruim para 2023”, diz.
A elevação equipara os salários aos dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), que devem ser elevados também —por meio de outro projeto— a R$ 46,4 mil.
O salário do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) irá aumentar 50%, de R$ 30,9 mil para R$ 46,4 mil, e dos senadores e deputados passa de R$ 33,7 mil para a mesma quantia. O aumento também contempla o vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), e será escalonado em quatro parcelas, até 2025.
O último aumento para o Congresso e o Executivo foi em 2014, no fim da Legislatura, e desde então a inflação somou 59%.
Para Élida Graziane, professora da FGV-SP e procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, a falta de reajustes no período e a pressão inflacionária justificam o aumento concedido para evitar a corrosão dos salários dos servidores.
“O fato de o Congresso pautar o tema para si próprio e para os postos de alto escalão no Executivo só vai acelerar a necessidade de enfrentar a falta de correção monetária no serviço público em geral”, diz.
Especialista em contas públicas, o consultor econômico Raul Velloso concorda que a inflação no período pode ser um argumento favorável ao ajuste. Por outro lado, afirma que o poder público precisava ter apresentado à população estudos que mostrassem a necessidade do aumento neste momento.
“[o aumento] Está na contramão de se ter no país uma preocupação maior com o que é feito com o dinheiro do contribuinte. Temos que olhar com cuidado e não fazer na calada da noite, quando estamos em uma discussão se é possível o governo gastar mais ou não. Para fazer isso tem que ter bastante justificativa, e quanto mais discussão houver, melhor”, diz.
O economista Gil Castello Branco, presidente da Associação Contas Abertas, classifica o aumento como “injusto, inoportuno e descabido” e afirma que a elevação dos salários vai afetar o orçamento dos próximos anos.
“O país está se endividando para pagar benefícios sociais e, ao mesmo tempo, concedendo um aumento salarial para servidores públicos. Esse aumento está sendo dado por todos nós brasileiros, mesmo aqueles que estão passando por extrema dificuldade, para aqueles que já ganham os maiores salários no serviço público federal”, diz.
Sampaio, da FGV, acrescenta que o argumento da inflação perde a validade diante do fato de que não houve uma reposição dos salários de toda a sociedade.
“A inflação não foi para o presidente, ministros e parlamentares, porque eles não são impactados por ela da mesma forma. A pergunta é: para quem ganha um salário mínimo ou dois, teve reajuste nos últimos 7 anos de 50%? Se não, o argumento é frágil”, diz.
O diretor-executivo da Transparência Internacional Brasil, Bruno Brandão, afirma que esse tipo de reajuste aumenta a desigualdade no serviço público. Como exemplo, ele cita a dificuldade para aprovação do piso da enfermagem de um lado e, do outro, os penduricalhos pagos para juízes no país.
“Enquanto a elite do funcionalismo usa sua influência para garantir altos salários e manter seu poder de compra frente à inflação, a grande maioria dos servidores só consegue corrigir seus rendimentos abaixo do mercado e do arrocho inflacionário.”